Situado na zona oriental da cidade, espraiando-se ao longo de uma luminosa encosta orientada a sul, com gloriosas vistas sobre as águas do rio Douro, o Parque de São Roque, antiga Quinta da Lameira, ou de São Roque da Lameira, cujas raízes — já bem profundas — remontam ao final do século XVIII, foi o bonito cenário escolhido para a décima, e última, visita da terceira edição da Rota das Árvores do Porto, realizada no passado dia 19 de novembro.

Os jardins em torno da Casa São Roque e o parque, tal como hoje os conhecemos, resultam da remodelação executada entre 1910 e, possivelmente, 1926, por Jacinto de Matos, a pedido da família Ramos Pinto, então proprietária da quinta. A propriedade viria a ser adquirida pela Câmara Municipal do Porto em 1979, sendo hoje um dos maiores jardins públicos da cidade, de carácter pitoresco, povoado por árvores e arbustos centenários e exibindo, ainda, um conjunto de elementos característicos do romantismo nos jardins, destacando-se a gruta e, sobre ela, o singularmente esbelto pavilhão/mirante e o lago com a sua ponte, na parte mais alta do parque.

Debaixo da chuva que sobre o parque — e o grupo de visitantes — gentilmente se precipitava, fomos, antes de mais, recebidos pelo presidente da Casa São Roque que, junto ao igualmente belo e singular jardim de inverno da casa, fruto de uma colaboração entre Jacinto de Matos e José Marques da Silva, nos deu as boas-vindas. E antes que os céus se decidissem desabar sobre tão audazes visitantes, lá partimos à descoberta do rico património botânico de São Roque.

Foi no patamar fronteiro à Rua de São Roque da Lameira que fomos ao encontro de um “enganador” Osmanthus heterophyllus ‘Variegatus’, em bom português, um falso-azevinho, de folha variegada. Esta pequena árvore, oriunda do Japão, exibe folhas de diferentes formatos — de margem inteira ou espinhosa — que estão na origem da palavra, heterophyllus. Floresce no outono, mostrando flores brancas e vistosas, muito perfumadas, que tivemos oportunidade não só de ver, como também de cheirar, e que são as “responsáveis” pela formação da palavra Osmanthus. Sobre o falso-azevinho se assomando, encontrava-se uma mais comum, mas nem por isso menos bela, europeia faia-de-folhas-vermelhas (Fagus sylvatica ‘Atroporpurea’), cujas folhas, noutras alturas de vibrantes tons avermelhados, exibiam agora quentes tons outonais, condizentes com a época.

Regressando ao patamar superior, junto à entrada da casa, chegara a vez de admirar uma das mais admiráveis árvores de São Roque: uma imensa e asiática canforeira (Cinnamomum camphora), da mesma família do nosso loureiro — a das lauráceas —, cuja copa, de sempre verdejantes e muito aromáticas folhas, exibia então, também, uma miríade de pequenos e roliços frutos negros. Ali perto, em romântico caramanchão, fomos conhecer um grupo de glicínias que, ora enrolando para um lado ora enrolando para o outro, lá iam, aparentemente, denunciando as suas origens: China (Wisteria sinensis) e Japão (Wisteria floribunda). Dos seus cachos de flores primaveris, de intenso e doce aroma, nem sinal havia…, mas as suas douradas folhas outonais e aveludadas vagens foram mais que suficientes para prender a nossa atenção. Fazendo-lhes companhia, algo escondida apesar do seu enorme tamanho, estava uma norte-americana magnólia-de-flores-grandes (Magnolia grandiflora), de coriáceas e brilhantes folhas verde-escuras, ostentando já por entre elas as suas bonitas e aveludadas “pinhas”, que não são mais do que um conjunto de folículos (frutos), agrupados numa estrutura de formato cónico, de onde emergirão, em breve, grandes e fogosas sementes vermelhas.

Regressando à canforeira e rumando ao patamar seguinte, deparámo-nos com uma centenária camélia-de-cheiro (Camellia sasanqua ‘Barão de Soutelinho’), repleta de profusas e aromáticas flores rosadas. Uma variedade de origem portuguesa, obtida pelo barão de Soutelinho em 1910, a partir de sementes importadas do Japão. Um pouco mais acima, aguardava-nos uma outra conterrânea, uma palmeira-das-vassouras ou palmeira-anã (Chamaerops humilis), a única palmeira nativa de Portugal — onde ocorre no Algarve, na costa alentejana e na serra da Arrábida —, e da Europa continental. Apresentava-se com diversos caules a crescer de uma única base, como é habitual na espécie. Os seus palmito e pequenos frutos são comestíveis, embora os últimos apenas após serem processados. Chamaerops deriva da união de duas palavras gregas que têm como significado “arbusto” e “anão”, sendo humilis sinónimo, em latim, de “pequeno” ou “humilde”. Vegetava esta bonita palmeira na sombra de uma bonita faia-tricolor (Fagus sylvatica ‘Tricolor’), uma variedade da faia-europeia (Fagus sylvatica) cujas folhas, como o nome bem indica, se nos apresentam com três cores diferentes.

Avançando marginalmente ao patamar das japoneiras novas, avistámos uma esbelta sakaki (Cleyera japonica ‘Tricolor’). Esta espécie asiática, sagrada para a fé xintoísta, exibe, no início do verão, pequenas flores esbranquiçadas que exalam um aroma a jasmim. No outono, dão lugar a pequenas drupas de cor negra, que se puderam ainda observar, para além do seu tronco de textura suave e de uma muito atraente cor castanho-avermelhada. As suas folhas, tal como as da faia anteriormente avistada, apresentam três cores: verde, creme e rosa. Entrando no patamar das japoneiras novas, fomos espreitar uma das que se encontravam já em flor; uma alva e deslumbrante Camellia japonica ‘Taça de Belleza’, de possível origem açoriana, uma das cerca de duzentas que se podem encontrar pelo parque.

A curta distância, fomos encontrar um dos mais conhecidos elementos do parque: o labirinto de buxo. Plantado num dos antigos socalcos agrícolas da quinta já após a sua compra pela câmara municipal em 1979, é composto por inúmeras sebes concêntricas de buxo (Buxus sempervirens), uma espécie que ocorre naturalmente em Portugal, no vale do Douro e alguns dos seus afluentes e na Beira Baixa. Caminhando por outros antigos socalcos agrícolas, observámos uma ilustre desconhecida, de copa repleta de muito garbosos e olorosos frutos vermelhos — chamemos-lhe, por enquanto, de “árvore de Natal de São Roque” —, e um elegante loureiro (Laurus nobilis), começando a exibir a sua floração de inverno. Por entre as suas aromáticas folhas avistavam-se pequenos frutos semelhantes a azeitonas, tratando-se, assim, de um exemplar feminino desta tão emblemática espécie, nativa de terras lusas. Não muito longe estava um outro “loureiro”, mais precisamente um louro-cerejo (Prunus laurocerasus). Esta espécie, nativa da região que se estende desde os Balcãs até ao Irão, floresce de uma forma deslumbrante na primavera e frutifica no início do outono. As folhas, quando esmagadas, libertam um aroma a amêndoas amargas, denunciando o seu conteúdo em cianeto de hidrogénio. Uma advertência da Natureza para que não se usem estas folhas para temperar os estufados…

Por ali encontrámos ainda uma pequenina nogueira-do-japão, mais comummente conhecida por ginkgo (Ginkgo biloba), uma nativa da China, ao contrário do que o nome possa parecer indicar, embelezando o espaço com a sua bela folhagem outonal de coloração amarelo-dourada. Efetivamente nativo do Japão — e, a bem dizer, também da China e da Coreia — estava por ali também um grande bordo-do-japão (Acer palmatum) já completamente despido da sua, geralmente ofuscante, folhagem outonal. Circundando o socalco, prestámos igualmente cumprimentos a uma grande e engalanada camélia (Camellia japonica ‘Hagoromo’), uma variedade de origem japonesa, de esbeltas flores de um rosa-pálido e registada desde 1695. Hagoromo significa “manto de penas”, numa clara alusão ao bonito formato das suas pétalas. Um grande carvalho-americano (Quercus rubra), nativo da América do Norte, mostrava também o seu manto, não de penas, mas sim de grandes folhas acobreadas. Grandes e esféricas bolotas espalhavam-se a seus pés.

E lá fomos subindo, sempre subindo, em direção aos pontos mais altos do parque. Sem muito ter de caminhar, logo alcançámos um grande, e sobejamente conhecido, eucalipto-comum (Eucalyptus globulus subsp. globulus), nativo da australiana ilha da Tasmânia. Bem menos comum, escondido por entre a vegetação, estava um eucalipto-limão (Corymbia citriodora), nativo do estado de Queensland, também na Austrália, de tronco liso e cor esbranquiçada. As suas folhas, quando esmagadas, libertam um agradável aroma cítrico, semelhante ao da erva-príncipe (Cymbopogon citratos), e que está na origem do seu nome. Preparava-se para florir. Quando o fizer, cobrir-se-á de inúmeros grupos de três flores esbranquiçadas. Na sua sombra deslumbrava-nos a farta frutificação rúbea de um vistoso cotoneaster (Cotoneaster lacteus), nativo da China.

Percorrendo a antiga mata da quinta, encontrámos ainda um bordo-campestre (Acer campestre), nativo da Europa e do norte de África, de folhas longamente pecioladas, profundamente pentalobuladas e de coloração dourada no outono. É uma espécie de aparência semelhante à da nossa zelha (Acer monspessulanum), mas cujas folhas apresentam apenas três lóbulos. Ao seu lado, marcava presença um ainda pequeno e asiático cedro-do-himalaia (Cedrus deodara) de longas agulhas e raminhos de hábito pendente. Por ali se escondia ainda um outro eucalipto, de casca esponjosa, castanho-avermelhada, semelhante à das californianas sequoias-sempre-verdes (Sequoia sempervirens). Tratava-se, pois, de um eucalipto-robusto (Eucalyptus robusta), nativo da costa este da Austrália.

Já quase no topo do parque, vimos ainda as folhas douradas de uma europeia tília-prateada (Tilia tomentosa) e provámos as ginginhas-do-rei; os doces frutos do lódão (Celtis australis), uma das mais bonitas árvores portuguesas, de serradas folhas lanceoladas e, então, já amareladas pelo outono. Em jeito de despedida, e já com o lusco-fusco a instalar-se, olhámos para um elegante pinheiro-de-monterey (Pinus radiata), um nativo da califórnia de copa aberta e escultural e tronco profundamente fissurado, castanho-avermelhado e, por fim, para um cedro-do-bussaco (Cupressus lusitanica), um “cedro” que, afinal, é um Cupressus e que leva o nome das terras lusas, apesar da sua origem mexicana, guatemalteca e costa-riquenha!

Encerrava-se, assim, a terceira edição da Rota das — mais que magníficas — Árvores do Porto, que durante mais de um ano e ao longo de 10 visitas, nos levou a deambular por 15 emblemáticos espaços verdes portuenses, entre parques, jardins, praças, cemitérios e até o viveiro municipal, onde nos cruzámos e conversámos com mais de 200 árvores, arbustos e trepadeiras de quase 160 espécies e variedades diferentes, oriundas de todos os cantos do planeta, aprendendo e deslumbrando-nos com todos os seus maravilhosos pormenores e “segredos”, por vezes bem escondidos, mas, também, bem à vista de todos os que os queiram encontrar…

FOTOS | Créditos: ©2022CRE.Porto.MMourão

A “Rota das Árvores do Porto” é uma iniciativa do Município do Porto integrada no FUTURO – projeto das 100.000 árvores na Área Metropolitana do Porto, e enquadra-se no projeto Florestas Urbanas Nativas no Porto – FUN Porto. Colabora o Arquiteto João Almeida.