O jardim do Passeio Alegre, construído sobre terrenos conquistados ao rio Douro, e onde já se namora o Atlântico, é um dos mais emblemáticos jardins oitocentistas da cidade. O seu projeto terá sido encomendado, em 1870, pela Comissão de Banhistas, a Emílio David, o arquiteto paisagista alemão chamado à cidade para desenhar, em 1864, os Jardins do Palácio de Cristal. A sua construção, porém, iniciar-se-ia somente em 1888 e, então, já segundo projeto do arquiteto paisagista Jerónimo Monteiro da Costa, sendo inaugurado em 1892. Está classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1993.

Foi neste bonito jardim que, na tarde do passado dia 18 de junho, se realizou a nona visita da terceira edição Rota das Árvores do Porto e que teve início na sua entrada nascente, hoje notavelmente marcada por um par de muito nobres obeliscos de granito, provenientes da Quinta da Prelada e aí instalados em 1937. De autoria de Nicolau Nasoni, encontram-se classificados como Imóvel de Interesse Público desde 1938.

De entre as muitas espécies que por ali se podem observar, duas ou três há que se destacam do conjunto, quer pelo seu número quer pelo seu porte. Uma delas, a palmeira-das-canárias (Phoenix canariensis) foi a que nos deu as boas vindas. Como o nome indica, são nativas das Canárias e muito resistentes aos ventos e salinidades atlânticas, não sendo, por isso, de estranhar por ali a sua localização preferencial em dois longos alinhamentos ao longo da margem do Douro. Esguias e altaneiras, tal como os obeliscos de Nasoni, exibem grande profusão de vistosos frutos alaranjados por entre a sua folhagem nesta altura do ano. Estão todas classificadas como Arvoredo de Interesse Público desde 2005.

Entrando no jardim, logo fomos ao encontro de outros majestosos residentes; os plátanos (Platanus x hispanica), uma espécie que é fruto de uma relação euroasiático-americana, já que se trata de um híbrido entre o Platanus orientalis, nativo da Eurásia, e do Platanus occidentalis, nativo da América do Norte. São uma das árvores de sombra mais comuns na Europa e, quase, omnipresentes no Passeio Alegre. Por ali exibiam as suas bonitas e recortadas folhas e os seus marmoreados troncos.

Logo ao lado, em torno do tanque circular que interrompe a grande alameda central do jardim, uma mão-cheia de outras espécies nos aguardava. Uma delas, tão emblemática neste espaço como as já referidas palmeiras-das-canárias, era a araucária-de-norfolk (Araucaria heterophylla). Imponentes, são quase três dezenas as que vegetam no jardim, uma concentração singular na cidade, e que, tal como as palmeiras, se encontram classificadas desde 2005. É uma espécie nativa de uma pequena ilha do Pacífico, a ilha de Norfolk, parte da Austrália. Muito bem adaptada aos ambientes marítimos, vemo-la também com frequência junto ao mar em Portugal. À falta de pinhas e pinhões — comestíveis — para observar, contentámo-nos em admirar a sua grandiosidade, as suas folhas de diferentes morfologias, uma característica que está na origem do restritivo específico heterophylla, bem como falar sobre algumas das muitas histórias que se contam em torno desta espécie tão singular.

Continuando a visita pelas orlas do Pacífico, na sombra das araucárias um formoso e asiático rafiolépis (Rhaphiolepis umbellata) exibia já os seus frutos, semelhantes a pequenas peras ou figos. Apresentando, então, uma coloração ainda verde, com o aproximar do outono adquirirão uma bonita tonalidade azulada ou violácea. Exibindo pequeninas, quase impercetíveis, flores brancas, estavam alguns evónimos, ou barretes-de-padre, (Euonymus japonicus), nativos não só do Japão, mas também da China e da Coreia. Tal como o rafiolépis, mostrar-nos-ão os seus roliços e rosados frutos lá mais para o outono que, ao abrirem, revelarão pequenas sementes de cor branca embrulhadas numa vistosa polpa vermelha. Fechando o círculo em torno do tanque, fomos ainda admirar — e cheirar — as muito aromáticas flores de um asiático pitósporo-da-china (Pittosporum tobira), que exalam um delicado aroma semelhante ao da flor de laranjeira. Encontrando-se no estágio final da floração, apresentava já por entre a folhagem uma miríade de frutos, ainda verdes. No outono, adquirirão uma cálida tonalidade amarela e exibirão as suas belas sementes; resinosas e de um cor-de-laranja intenso.

Continuando pelo jardim, rumámos à América do Norte, ao encontro de uma robínia, ou falsa acácia, (Robinia pseudoacacia). A espécie, outrora afamada nos nossos jardins pelos vistosos cachos de flores brancas — que são comestíveis — que produz na primavera, tornou-se, infelizmente, numa das mais agressivas invasoras presentes no nosso país. Passada que estava a floração, houve a oportunidade de observar as suas delicadas folhas, os seus aguçados espinhos e a sua rugosa e muito fissurada casca.

Fazendo-lhe companhia estavam alguns choupos-do-canadá (Populus x canadensis), outra espécie resultante de um “casamento” euro-americano, já que se trata de um híbrido entre o nosso choupo-negro (Populus nigra), e o algodão-americano (Populus deltoides), nativo da América do Norte. Para além do “algodão”, produzido apenas pelos exemplares femininos da espécie e, injustamente, acusado de causar alergias, observámos ainda as suas grandes folhas de formato deltoide e de característicos pecíolos achatados, bem como as suas pequenas glândulas excretoras de resina, cuja função será, possivelmente, a de repelir os ataques de alguns mais afoitos insetos.

Seguimos, de seguida, rumo à Macaronésia, onde visitaríamos uma espécie pouco avistada nos jardins portuenses; um loureiro-real (Persea indica), também conhecido por vinhático-das-ilhas. Apesar de apresentar uma folhagem perene, esta, ao envelhecer e soltar-se dos ramos, adquire uma belíssima tonalidade alaranjada, que tivemos oportunidade de observar. Sendo verão, encontrava-se em floração, mostrando-nos as suas pequenas e esbranquiçadas flores, bem como já alguns dos seus frutos semelhantes a azeitonas, de coloração negra.

Atravessando o jardim em direção ao Douro, fomos aprender um pouco mais sobre uma espécie sobejamente conhecida por todos nós; o eucalipto-comum (Eucalyptus globulus subsp. globulus), nativo da australiana ilha da Tasmânia e que, por ali, se reunia num pequeno grupo de indivíduos, alguns exibindo um bonito padrão espiralado na sua casca. Dali fomos ao encontro de duas outras espécies comuns quer na nossa paisagem, quer nos nossos jardins, a cevadilha (Nerium oleander), também conhecida por nério ou loendro, e o lódão (Celtis australis), ambas nativas do nosso país. A cevadilha mostrou-nos, ainda que algo envergonhada, as bonitas flores pelas quais é mais conhecida e que podem ocorrer em várias cores, desde o branco ao rosa até ao quase vermelho. Já o lódão exibia, dependurados por entre as suas esbeltas e lanceoladas folhas, os seus diminutos e esféricos frutos cuja designação se encontra na origem de um dos nomes comuns da espécie — ginginha-de-rei — e que, tal como a verdadeira ginjinha, é comestível e de sabor adocicado.

Não muito depois, atingiríamos, por fim, a entrada poente do jardim, virada ao Atlântico. Aí, ladeando um imponente chafariz setecentista, proveniente do antigo Convento de São Francisco e Monumento Nacional desde 1910, estavam outros dois monumentos e também eles classificados desde 2005: um par de grandiosos metrosíderos, ou árvores-de-fogo, (Metrosideros excelsa). De natureza menos pétrea do que as do granito do chafariz são, no entanto, também conhecidos pelo seu “coração de ferro”, alusivo à dureza do seu cerne. Não é, contudo, essa a característica pela qual são mais reconhecidos estes excelsos nativos da Nova Zelândia, mas sim pela sua exuberante floração estival que ocorre por toda a sua copa, geralmente em tonalidades avermelhadas mas que, no seu habitat natural, pode ocorrer também em tons de rosa, laranja, amarelo e branco. Por florir durante o inverno neozelandês, a espécie é também designada por árvore-de-natal-da-nova-zelândia. Para além das suas formosas flores sazonais, estas belas árvores mostram ainda, ao longo de todo o ano, folhas de um branco aveludado na sua página inferior bem como raízes aéreas que, ao tocar no chão, enraízam e formam novos troncos.

Apesar de maravilhados com tamanha beleza, que seria mais do que suficiente para fechar com chave de ouro o passeio, fomos ainda espreitar algumas curiosas butiás-jataí (Butia yatay). Nativas do sul do Brasil, do Uruguai e do norte da Argentina, estas palmeiras sul-americanas distinguem-se de tantas outras mais comuns nos nossos jardins por ser apenas durante o outono norte-hemisférico que se engalanam de atraentes cachos de frutos amarelos, alaranjados, vermelhos ou purpúreos, que são comestíveis e doces. No verão, como muito bem pudemos observar, produzem bonitas florações femininas e masculinas, de coloração amarela, amarelo-arroxeada, amarelo-esverdeada ou simplesmente arroxeada, inicialmente encerradas numa grande bráctea verde e lisa que tivemos também a boa sorte de admirar.

E com este saltinho ao hemisfério sul, dava-se, por fim, como concluído o passeio pelo mais atlântico e luminoso dos grandes jardins oitocentistas portuenses.

Resta-nos, agora, aguardar pela derradeira visita desta Rota das Árvores do Porto. Chegará lá mais para o outono, no renovado Parque de São Roque.

Bom verão, e até lá!

FOTOS | Créditos: ©2022CRE.Porto.MMourão; ©2022CRE.Porto.malmeida; ©2022João_Tenente_de_Seixas

A “Rota das Árvores do Porto” é uma iniciativa do Município do Porto integrada no FUTURO – projeto das 100.000 árvores na Área Metropolitana do Porto, e enquadra-se no projeto Florestas Urbanas Nativas no Porto – FUN Porto. Colabora o Arquiteto João Almeida.