O passado 13 de maio marcou o início da Rota das Árvores Senhoriais de Santa Maria da Feira. A Quinta da Murtosa, em Mosteirô, foi o nosso primeiro destino.

A origem da Quinta da Murtosa remonta ao século XVI. Um documento lavrado em 1549 pelo rei D. João II (1549) faz referência a esta propriedade e ao seu proprietário: Carlos Corrêa de Souza. No início de setecentos a casa passa a ser pertença da família Souza Brandão. Reza a história que o General Francisco de Souza Brandão, avô dos atuais proprietários, terá dado refúgio nesta Quinta a elementos militares durante a Guerra Liberal.

Ao longo da breve caminhada de aproximação à Quinta foi desde logo possível ir adivinhando o oásis que iriamos encontrar detrás dos altos muros de pedra que delimitam a propriedade. A expedição prometia uma mostra singular, o que se veio a revelar. Mas outras surpresas estavam preparadas para o nosso grupo de amantes das árvores.

A receção na Quinta foi feita pelo proprietário (Vicente de Souza Brandão) que, com brio no discurso, apontou algumas passagens históricas da Quinta. Com entusiasmo, o Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira (Emídio Sousa), saudou a iniciativa e juntou-se aos restantes curiosos (grupo do qual também faziam parte os Vereadores de Ambiente e da Cultura).

O caminho de exploração das árvores da Quinta foi assumido por Luis Côrte-Real, engenheiro florestal e profundo admirador das árvores, que gentilmente acedeu ao nosso desafio. O nosso cicerone marcou o passo e cada paragem indiciava que uma nova revelação estava já perto de nós. Bem perto e bem alto. Pois para contemplar os pormenores da maioria das relíquias era preciso andar de cabeça bem levantada.

Loureiros que cresciam abraçados a imponentes carvalhos, pinheiros-radiata, possantes plátanos e tuias foram os primeiros a ser descobertos e nem os seus aspetos mais privados escaparam do nosso escrutínio 🙂

Junto do pomar, um altivo eucalipto reinava sozinho, não fosse sua graça um Eucalyptus obliqua. O seu fuste e recorte da folha ajudaram-nos a identificá-lo. Quase a chegar à casa, foi obrigatório parar e contemplar o robusto ulmeiro (Ulmus minor), belo exemplar da flora nativa, que contra todas as adversidades de uma doença implacável, cresce alto, apesar das chagas de um resistente, mas ainda vivo e coberto das frescas folhas da primavera.

Já dentro da casa senhorial, onde fomos gentilmente recebidos, foi na sala de estar que se fez uma viagem ao século XIX. Ali se recriou, graças à virtuosidade da cantora lírica Ana Maria Pinto e do guitarrista Rui Namora, um breve sarau de música clássica. Interpretando Fauré (1845-1924) compositor romântico, a intimista sala foi inundada de charme e afetos. Não conseguimos deixar de nos transportar para eventuais saraus passados nesse mesmo espaço alguns séculos antes, que estamos certos de ter acontecido já que a sala é coroada com um piano antigo, com o marfim das teclas já descorado, junto à parede.

Ainda impregnados da bela melodia, o passeio seguiu através da horta até um pequeno recanto marcado por um vetusto carvalho-alvarinho (Quercus robur), que emoldura uma das janelas da centenária casa. E foi aqui, neste recanto, que pudemos apreciar uma discreta mas soberana anciã, já com os seus troncos retorcidos e descascados: uma murta (Myrtus communis). Não sabemos que idade terá mas o seu porte pouco comum para esta espécie leva-nos a arriscar que pode estar perto de ser centenária. Em jeito de homenagem a este admirável ser vivo, e do alto da varanda da casa senhorial, Ana Maria Pinto improvisou melodias com o ditado popular “se por uma murta passar e a folha não cheirar, do seu amor não se quis lembrar”. O esvoaçar das folhas do carvalho juntou-se às fitas do adufe, que dava ritmo à canção e viveu-se mais um momento mágico aromatizado com murta.

E talvez este descendente seja o motivo pelo qual o lugar onde a Quinta se insere seja designada de Murtosa, nome que deu também nome à Quinta.

Já no jardim de buxos foi possível o encantamento com o monumental tulipeiro-da-Virgínia (Liriodendron tulipifera), um exemplar classificado e com mais de 150 anos. Sob ele, e com a orientação de Ana Maria Pinto, aprendemos ainda as regras básicas do canto e fomos desafiados a cantar-lhe uma canção e ouviu-se a plenos pulmões que “o tulipeiro está em flor!”. Esta árvore, espécie também conhecida pelos estudantes de Coimbra como a árvore do ponto, porque as suas exuberantes flores se mostram quando terminam as aulas na universidade (António Cardoso Borges de Figueiredo em “Coimbra Antiga e Moderna”, 1886, página 308), é provavelmente o mais alto tulipeiro em Portugal.

A tarde estava no fim e a ameaça de chuva cercou-nos. Este foi o mote para regressar à casa e ao aconchego de um retemperante chá quente que nos foi cuidadosamente servido pelos alunos do curso de hotelaria da Escola Secundária de Santa Maria da Feira. A tradicional fogaça, com uma história tão antiga como a própria Quinta, foi também servida.

A nossa saída foi feita com enorme dignidade, pela porta da Quinta que nos deixa imediatamente na Via Antiga de Mosteirô, uma via do século XVIII possivelmente construída sobre uma via romana. Por aqui terão passado, entre outras, as pedras que serviram para a construção da Sé do Porto, vindas das pedreiras de Mosteirô.

A “Rota das Árvores Senhoriais de Santa Maria da Feira” é uma iniciativa do Município de Santa Maria da Feira integrada no FUTURO – projeto das 100.000 árvores na Área Metropolitana do Porto. Conta com a parceria da Quinta da Murtosa, da Casa da Portela e da Quinta do Seixal e o envolvimento da Academia de Música de Paços de Brandão, da Escola Secundária de Santa Maria da Feira, da psicóloga e terapeuta de som, Cátia Duque, da cantora lírica Ana Maria Pinto e do guitarrista Rui Namora. Destaca-se a participação voluntária dos especialistas que acompanham as visitas: Luis Côrte-Real, Maria da Graça Saraiva, Paulo Alves e João Almeida.

FOTOS | Créditos: ©2017CRE.Porto rruiz, ©2017CRE.Porto|malmeida, ©2017CRE.Porto|ampereira e ©2017OrlandoPereira

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