“Quando Joana Carda riscou o chão com a vara de negrilho, todos os cães de Cerbère começaram a ladrar…” (José Saramago, 1994). Assim começa a “Jangada de Pedra” do nosso Nobel da literatura, dando relevo a uma árvore outrora muito comum e que hoje vai rareando.

Conhecida entre nós como “Avelaneira-brava”, “Lamegueiro”, “Mosqueiro”, “Negrilho”, “Olmeiro”, “Olmo”, “Ulmeiro-das-folhas-lisas”, “Ulmeiro” e “Ulmo” falamos de uma espécie cuja origem gera alguma controvérsia. Para uns trata-se de uma espécie autóctone, que em tempos se estendeu a todo o país (sobretudo no Norte), para outros de um arqueófito (espécie que terá sido introduzida numa época anterior aos Descobrimentos, possivelmente ainda na proto-história, no milénio I a.C.).

Trata-se de uma árvore de folha caduca, de copa ovóide, arredondada ou algo irregular, podendo atingir facilmente os 20 m de altura e, não raramente, os 30 m. Rebentando facilmente de touça, apresenta uma casca cinzenta, fissurada. As suas folhas, simples, ovadas, alternas, podendo medir entre os 8,5 e os 12 cm de comprimento por 6 cm de largura, são pontiagudas de margem dentada ou serrada, apresentando uma base assimétrica que é característica do género. As inflorescências são cimos (tipo de inflorescência que lembra um glomérulo e que termina numa flor) densos compostas por flores rosa-purpúreas que produzem frutos (sâmaras) orbiculares a ovados com 20×17 mm e que apresentam a semente no seu terço superior.

Comum em quase toda a Europa, Norte de África e Ásia ocidental, é uma espécie que gosta de luz, preferindo os solos profundos, férteis, ocorrendo junto a linhas de água, fundos de vales e em bosques mistos, podendo chegar até aos 1700 m de altitude. Tolerando a exposição marítima e resistente à poluição atrai numerosos insectos (especialmente lepidópteros) que dele se alimentam. Floresce usualmente entre Fevereiro e Março e os seus frutos amadurecem entre Abril e Maio.

A espécie (como todas as demais do género) tem estado em declínio constante, um pouco por todo o mundo, devido a uma doença designada grafiose (DED – Dutch Elm Disease, em inglês) que matou milhões destas árvores um pouco por todo o mundo (para se ter uma ideia, só no Reino Unido e desde os anos 70 a doença já matou cerca de 26 milhões de ulmeiros). Trata-se de uma doença provocada por fungos que são transportados por escaravelhos que se alimentam da madeira.

Na mitologia os ulmeiros encontram-se relacionados, na maioria das vezes, com a morte ou com a administração da justiça ou ambos e, como quase sempre, são os clássicos gregos que nos dão conta dos primeiros registos escritos sobre a espécie.

Na Grécia antiga os ulmeiros estavam relacionados com o cultivo das vinhas, as quais cresciam sobre estas árvores, que lhes serviam de tutores. Ao longo do tempo foram adquirindo outros valores simbólicos, considerando-se que eram plantados por ninfas, filhas de Zeus, o que conferia ao ulmeiro o valor de uma espécie sagrada. Este estatuto figura na Ilíada de Homero (Livro 6): os ulmeiros bordam o túmulo de Eécion, rei de Tebas na Mísia, morto por Aquiles.

Tal como para os gregos, para os antigos ingleses, suíços e alemães o ulmeiro estava ligado à morte e passagem para outra vida e ainda hoje a madeira desta espécie (talvez devido à sua resistência) continua a ser usada para a confecção de caixões. Na mitologia nórdica, sobretudo germânica, a mulher tinha origem no ulmeiro e o homem no freixo. Pelo contrário, na região do Mediterrâneo, o ulmeiro apresentava-se como uma figura de masculinidade, ligada ao vinho e à dignidade.

Os romanos, muito mais práticos que os “científicos” gregos, e especialmente muito mais interessados em benefícios, disseminaram a cultura da vinha apoiada no ulmeiro que se estendeu a todo o império só sendo abandonada nos séculos XVI e XVII, à exceção da Itália, onde se manteve. Por outro lado, achavam que os ulmeiros tinham capacidades de adivinhação por entenderem que estimulavam os sonhos (a árvore estava consagrada a Morfeu). Na Idade Média, juntamente com o carvalho, foi-lhe dado um novo significado: debaixo da sua copa administrava-se a justiça, costume que se alargou a Portugal, onde a imponência desta árvore conferia dignidade aos actos.

Dotado de uma madeira “dura, mas fácil de trabalhar”, a qual depois de molhada pode ser moldada, o negrilho foi usado em Portugal sobretudo na construção e mobiliário, apresentando-se como uma árvore economicamente importante. Da sua madeira produziram-se deques, soalhos, mesas, cadeiras, balcões, partes de arados, carroças, carruagens, suportes para armas e muito outros instrumentos.

Devido à sua resistência à humidade foi usado para construir partes de barcos (ainda hoje é uma das madeiras preferidas para estes fins) e, sendo extremamente resistente, era usado em todos os componentes de utensílios e objectos que necessitassem resistir à pressão e ao movimento, incluindo rodas de carroças e carruagens, suportes de tracção, etc.

Por outro lado era costume que, chegado o final do Verão, se colhessem ramos e folhas. As folhas eram usadas para alimentar o gado (especialmente ruminantes e suínos) e os ramos para servirem de estacas nas culturas. Em momentos de necessidade também os humanos consumiam as folhas (tanto na forma de sopas como em saladas) ou farinhas, obtidas a partir da casca.

Podendo crescer e atingir proporções majestosas, o ulmeiro era uma das árvores mais imponentes da nossa paisagem (antes da grafiose) e daí ser dito, nas nossas lendas, que local onde existissem ulmeiros podiam existir bandidos, os quais se ocultariam nessa magnífica árvore. Mas não acredite em tudo o que se diz. Do ulmeiro espere uma linda e fresca sombra e uma beleza, hoje escassa, que merece fazer parte da nossa paisagem natural e da sua implementação em parques e jardins.

Texto: Rubim Almeida* | Foto: Marta Pinto

Bibliografia:

Fuentes-Utrilla, P., López-Rodríguez, R. A. and Gil, L. (2004). The historical relationship of elms and vines. Invest Agrar: Sist Recur For 13 (1): 7-15
Heybroek, H. M. (2014). The elm, tree of milk and wine In Santini, A., Ghelardini, L., Collin, E., Solla, A., Brunet, J., Faccoli, M., Scala, A.,. De Vries, S and Buiteveld, J. (Eds.). 2014. The elms after 100 years of Dutch Elm disease. Collection 3rd International Elm Conference, Florence (Italy – 2013)}. Journal of Biogeosciences and Forestry
Homer. The Iliad. Translated by Murray, A T. Loeb. (1924). Classical Library Volumes1. Cambridge, MA, Harvard University Press; London, William Heinemann Ltd. (http://www.theoi.com/Text/HomerIliad1.html)
ICNF (Ed.). (2013). Espécies arbóreas indígenas de Portugal continental: Guia de utilização. Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território. Lisboa. http://www.icnf.pt/portal/florestas/gf/prdflo/ssp-arb-indig
Navarro, C. & Castroviejo, S. Ulmus In Castroviejo, S. (coord. gen.). 1986-2012. Flora iberica 1-8, 10-15, 17-18, 21. Real Jardín Botánico, CSIC, Madrid.
Simon, B.; Mcloughlin, J.; Reeg, T.; Gavaland, A.; Muehlthaler, U.; Makinen, K.; Castro, J.; Carvalho, Ana Maria; Cziesewzka, A.; Borowski, J.; Ferrini, F.; Pennati, L.; Dini-Papanastasi, O.; Ispikoudis, I. (2008) – Cultural aspects of the trees in selected European countries. VALBRO, COST Action E42: Valuable broadleaved tree species in Europe. COST Office.
The A to Z of London Elms. A Short film produced by The Conservation Foundation (www.conservationfoundation.co.uk). Produced 2013 with the support of the Heritage Lottery Fund and film editor Garry Brown, who volunteered through Media Trust. https://www.youtube.com/watch?v=WovCThPSZ

Características

  • Altura : Geralmente até 20 m. Pode atingir 30 m.
  • Fruto : Sâmara

  • Habitat : Solos profundos, férteis, em margens de cursos de água, fundos de vales ou bosques mistos.
*Este texto resulta de uma colaboração graciosa do Professor Doutor Rubim Almeida com o FUTURO – projeto das 100.000 árvores na Área Metropolitana do Porto. O Professor Doutor Rubim Almeida é docente e investigador na área da botânica na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, onde é coordenador do Mestrado em Ecologia, Ambiente e Território.  Integra o CIBIO / INBIO.